Prisão de arcebispo deixará ainda mais raivosa a
oposição ultraconservadora ao pontífice.
Por Marco
Politi
Aconteceu o impensável.
Com o aval do papa Francisco, a prisão vaticana recebeu entre os seus presos na
tarde dessa terça-feira (23) o arcebispo pedófilo Jozef Wesolowski, ex-núncio
em Santo Domingo. Em junho deste ano o religioso de origem polonesa, membro do
serviço diplomático da Santa Igreja, foi reduzido ao estado laico nos termos de
um processo de primeira instância e o Vaticano tornou público que o caso não
fora concluído, devido à necessidade de, ainda, confrontar os aspectos penais.
Mas ninguém na Cúria
esperava uma ação papal tão drástica e definitiva, se avaliada com as ações
seculares de interrupção da prática do sacerdócio, amenizando ou criando
soluções para se evitar o rigor absoluto da lei aos criminosos de batina.
“Neste momento três bispos estão sob investigação. Um deles, condenado, já está
tendo sua pena estudada. Não existem privilégios sobre este tema”, declarou
Papa Francisco em maio deste ano aos jornalistas quando voltou da Terra Santa.
“Na Argentina – acrescentou – falamos dos privilegiados: 'este é um filhinho de
papai'. O que quero dizer é que sobre este assunto não existirão filhinhos de
papai”. Garantiu que todos serão tratados com tolerância zero.
Na revolução de
Bergoglio a reclusão de Wesolowski surge como um exemplo. Pouco depois da sua
eleição, o papa tomou conhecimento das acusações envolvendo o embaixador do
Vaticano e o abuso de menores de bairros pobres de Santo Domingo. O arcebispo
local, cardeal Lopez Rodriguez, confirmou a veracidade dos fatos. Francisco
solicitou a presença do núncio no Vaticano em agosto. Em menos de um ano se
chegou à sentença canônica. No decorrer de poucos meses será aberto o processo
penal. É “vontade expressa do Papa”, frisou ontem o porta-voz papal Padre
Lombardi. A iniciativa judiciária, explicou, foi tomada “uma vez que um caso
assim delicado e dessa gravidade deve ser avaliado imediatamente, com o rigor
necessário e, também, assumido o compromisso de uma função de imensa
responsabilidade por parte das instituições que dirigem a Santa Igreja”.
Para entender o choque
provocado a partir da decisão soberana do papa Francisco basta pensar no modo
suave com que o papa Ratzinger tratou o caso gravíssimo – ainda mais monstruoso
em relação ao caso Wesolowski – do fundador da Congregação dos Legionários de
Cristo. Como cardeal e prefeito do Santo Ofício, não teve coragem de se opor ao
Papa João Paulo II, que reprimia qualquer investigação sobre Marcial Maciel,
predador em série e abusador dos seus próprios filhos. Como Pontífice,
Ratzinger forçou Maciel a se retirar da liderança dos Legionários de Cristo, o
intimou a uma vida reservada de penitência, e não tomou a decisão de
processá-lo criminalmente. Na verdade, favorecendo o culpado à custa das
vítimas que esperavam por justiça há décadas. Apenas na sua morte Maciel foi
marcado como merecia. Mas em última instância a “Instituição” saiu-se melhor
sobre o direito das vítimas de ver Maciel levado a um tribunal.
A prisão de Wesolowski
deixará ainda mais raivosa a oposição ultraconservadora ao pontífice argentino,
acusado de ser “excessivamente profético” e demagogo. Os próximos meses e o
próximo ano serão turbulentos. Wesolowski já foi privado de imunidade
diplomática. Uma vez processado e condenado a uma pena reclusiva, surgirá o
problema de onde ele irá ficar encarcerado. Além da inexistência de diretrizes
específicas não está excluída a possibilidade de terminar em uma prisão na
Polônia. Porque já não existe mais prisão no Vaticano.
Il Fatto Quotidiano,
24-09-2014.
Fonte: http://www.domtotal.com.br/noticias/
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