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domingo, 25 de agosto de 2013

Tecnologia Social: um novo padrão de desenvolvimento


 As cisternas de placa podem ser encaradas como componentes de um desenvolvimento social que privilegia a mobilização, os conhecimentos e tradições culturais dos sertanejos



Uma tecnologia é tida como social quando ela, além de fornecer meios técnicos para o desempenho de determinada função ou trabalho, atua no sentido de promover maior interação e transformação social. Esse tipo de tecnologia é, essencialmente, inclusivo. Ele reflete o conjunto ideologicamente heterogêneo dos atores sociais envolvidos no processo de produção e de trabalho e, por conta disso, traz uma nova proposta de desenvolvimento – uma proposta afastada dos padrões empresariais; da busca do lucro; do ganho pessoal puro e simples... 

O interessante é que podemos afirmar que a tecnologia de cunho social, encarada como resposta aos padrões industriais, fordistas e em série, é uma invenção genuinamente brasileira. É o que nos afirma o professor da Universidade de Campinas, Ricardo Dagnino, quando defende que o surgimento da Tecnologia Social (TS) ocorreu no Brasil, “que é onde a ideia de uma tecnologia alternativa à convencional tem recebido essa designação no início da presente década. Dele participam atores preocupados com a crescente exclusão social, precarização e informalização do trabalho etc., que compartilhavam a percepção – perturbadora, mas difusa – de que era necessária uma tecnologia que correspondesse aos seus propósitos”.

São esses atores sociais que, preocupados com as mazelas sociais que os atingiam, e cada vez mais organizados, começaram assim a pensar uma tecnologia, baseada nos padrões da economia solidária, onde os próprios sujeitos-alvo da exclusão social dominassem os usos de suas inovações tecnológicas a partir de práticas de autogestão, associativismo e de uma atuação em que se privilegiasse uma produção material e resistente contra o avanço do capital e de antigas classes políticas.

As cisternas de placa, hoje construídas em larga escala pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) podem ser encaradas como componentes de um desenvolvimento social que privilegia a mobilização, os conhecimentos e tradições culturais dos sertanejos. Exatamente por isso, as cisternas de placa podem ser encaradas como uma TS: elas emergem da proposta de um desenvolvimento mais justo e inclusivo para as famílias sertanejas. Elas são, sim, uma tecnologia social legítima, pois nascem basicamente da sabedoria do povo do semiárido e se adaptam aos desafios que a falta de chuva impõe aos agricultores e agricultoras familiares da região.

Muito mais do que um mero reservatório de água, o processo de implantação das cisternas defendido pelas organizações da ASA, leva em consideração a construção da cidadania no semiárido. Os cursos de capacitação; os intercâmbios de experiência; as reuniões de sensibilização demonstram que as cisternas, e todas as tecnologias sociais de captação de água da chuva para consumo e produção, têm um objetivo muito claro: incentivar a consciência crítica e a cidadania no sertão.

Talvez por isso, muitas classes políticas antigas e defasadas se empenhem na tarefa de vencer a implantação das cisternas de placa. Defendem eles as grandes obras; as transposições faraônicas; e se esquecem que juntas as cisternas, barreiros, barraginhas, tanques de pedra, bombas populares e outras tecnologias causam uma verdadeira revolução no semiárido. A revolução do acesso e uso qualificado da melhor água que existe: a água da chuva!

Porém, mesmo com a oposição daqueles que teimam em não apostar no sertão como um lugar digno levantou nossas bandeiras de luta e continuamos a defender as tecnologias sociais como vetores de transformação. Uma transformação algumas vezes lenta, é verdade, mas que, aos poucos, vai provando que, sim, é possível conviver com o semiárido.


Por Henrique Oliveira | ASCOM – Centro de Assessoria do Assuruá


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