Uma tecnologia
é tida como social quando ela, além de fornecer meios técnicos para o
desempenho de determinada função ou trabalho, atua no sentido de
promover maior interação e transformação social. Esse tipo de tecnologia
é, essencialmente, inclusivo. Ele reflete o conjunto ideologicamente
heterogêneo dos atores sociais envolvidos no processo de produção e de
trabalho e, por conta disso, traz uma nova proposta de desenvolvimento –
uma proposta afastada dos padrões empresariais; da busca do lucro; do
ganho pessoal puro e simples...
O
interessante é que podemos afirmar que a tecnologia de cunho social,
encarada como resposta aos padrões industriais, fordistas e em série, é
uma invenção genuinamente brasileira. É o que nos afirma o professor
da Universidade de Campinas, Ricardo Dagnino, quando defende que o
surgimento da Tecnologia Social (TS) ocorreu no Brasil, “que é onde a
ideia de uma tecnologia alternativa à convencional tem recebido essa
designação no início da presente década. Dele participam atores
preocupados com a crescente exclusão social, precarização e
informalização do trabalho etc., que compartilhavam a percepção –
perturbadora, mas difusa – de que era necessária uma tecnologia que
correspondesse aos seus propósitos”.
São esses atores sociais que, preocupados com as mazelas sociais que os atingiam, e cada vez
mais organizados, começaram assim a pensar uma tecnologia, baseada nos
padrões da economia solidária, onde os próprios sujeitos-alvo da
exclusão social dominassem os usos de suas inovações tecnológicas a
partir de práticas de autogestão, associativismo e de uma atuação em que
se privilegiasse uma produção material e resistente contra o avanço do
capital e de antigas classes políticas.
As
cisternas de placa, hoje construídas em larga escala pela Articulação
Semiárido Brasileiro (ASA) podem ser encaradas como componentes de um
desenvolvimento social que privilegia a mobilização, os conhecimentos e
tradições culturais dos sertanejos. Exatamente por isso, as cisternas de
placa podem ser encaradas como uma TS: elas emergem da proposta de um
desenvolvimento mais justo e inclusivo para as famílias sertanejas. Elas
são, sim, uma tecnologia social legítima, pois nascem basicamente da
sabedoria do povo do semiárido e se adaptam aos desafios que a falta de
chuva impõe aos agricultores e agricultoras familiares da região.
Muito mais
do que um mero reservatório de água, o processo de implantação das
cisternas defendido pelas organizações da ASA, leva em consideração a
construção da cidadania no semiárido. Os cursos de capacitação; os
intercâmbios de experiência; as reuniões de sensibilização demonstram
que as cisternas, e todas as tecnologias sociais de captação de água da
chuva para consumo e produção, têm um objetivo muito claro: incentivar a consciência crítica e a cidadania no sertão.
Talvez por isso, muitas classes
políticas antigas e defasadas se empenhem na tarefa de vencer a
implantação das cisternas de placa. Defendem eles as grandes obras; as
transposições faraônicas; e se esquecem que juntas as cisternas,
barreiros, barraginhas, tanques de pedra, bombas populares e outras
tecnologias causam uma verdadeira revolução no semiárido. A revolução do
acesso e uso qualificado da melhor água que existe: a água da chuva!
Porém,
mesmo com a oposição daqueles que teimam em não apostar no sertão como
um lugar digno levantou nossas bandeiras de luta e continuamos a
defender as tecnologias sociais como vetores de transformação. Uma
transformação algumas vezes lenta, é verdade, mas que, aos poucos, vai
provando que, sim, é possível conviver com o semiárido.
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