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Ripper é especialista em fotografia documental e humanista | Foto: Janaína Santos |
Um fotógrafo sensível que utiliza as lentes de sua câmera a serviço dos
direitos humanos e das populações menos favorecidas. Assim é João
Roberto Ripper, jornalista e especialista em fotografia documental,
social e fotojornalismo. Fundador do Imagens Humanas, um projeto pessoal
onde ele expõe seu trabalho, Ripper também ajudou a idealizar o Projeto
Imagens do Povo do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.
Defensor da fotografia como instrumento para contar a beleza dos fazeres
das populações, Ripper ministrou duas oficinas regionais de comunicação
com a presença dos comunicadores populares da Articulação Semiárido
Brasileiro (ASA). A primeira aconteceu em Feira de Santana-BA, de 31 de
julho a 3 de agosto, e a outra em Trairi (CE), de 7 a 9 de agosto. Na
ocasião, o fotógrafo concedeu uma entrevista à jornalista Gleiceani
Nogueira, da Assessoria de Comunicação da ASA (Asacom). Na conversa,
Ripper falou sobre os princípios a fotografia humanista, do papel do
fotógrafo que deseja abraçar essa proposta, e da contribuição da ASA na
contação de novas histórias sobre o Semiárido, que fogem da imagem
estereotipada construída sobre a região. Confira!
Asacom - Quais sãos os princípios da fotografia humanista e de que forma ela contribui na luta pelos direitos humanos?
Ripper - Eu acho que o poder de poder fotografar tem que está
inserido na única filosofia cabível nos poderes que é o de servir. Então
a fotografia humanista tem, sobretudo, um caráter de servir e servir é
também uma forma que liberta o exercício do poder, liberta a quem serve,
liberta a pessoa que tá exercendo a fotografia. Eu acho que cada vez
mais o fotógrafo humanista é um fotógrafo que aprende com as pessoas,
com as comunidades e os grupos que ele fotografa na história da vida e
ele deve ser, sobretudo, um elo de bem-querer entre quem é fotografado e
quem vai ver a fotografia. Esse elo pode ser até numa denúncia, pode
ser numa documentação de uma guerra, na documentação de um conflito.
Mas, eu acho que o fotógrafo humanista, deve ter consciência de que a
sua foto tem que tá no fluxo de contra-informação e tá no fluxo de
contra-informação é produzir fotos que levam informações a população de
maneira que você quebre o filtro na edição da beleza. Então eu acho que o
fotógrafo, além da denúncia, ele tem que cuidar muito de como ele vai
passar a beleza para as pessoas e, principalmente, a beleza dos seus
fazeres que é uma informação que de alguma maneira é filtrada pelos
poderes. Portanto, ele é um fotógrafo que tem que ter a consciência e
essa consciência vem sendo adquirida aos poucos, de que ele tem que
contribuir para quebrar os estereótipos. Acho que esses estereótipos na
comunicação são justamente os estereótipos que se definem pelo poder. Um
poder que passa pelos poderes políticos, pelos poderes da indústria,
dos comércios e pelo poder da comunicação, que talvez seja o maior de
todos os poderes porque é usado por todos esses poderes e porque fala e
mantém a ideologia dos poderes na sua forma de se expressar. E aí a
gente volta de novo ao princípio de um documentarista humanista de que
você de alguma maneira, através da sua câmera, tem esse poder e pra mim
ele só tem sentido se for para servir.
Asacom - Durante as oficinas regionais de comunicação da ASA
você convidou os participantes a usar a comunicação para retratar a
beleza, o sonho e o amor. Como é possível encontrar esse caminho através
da fotografia?
Ripper- Eu acho que esse caminho é o caminho que está dentro
das pessoas. Eu acho que esse caminho do amor e da beleza é o caminho
responsável pela existência de todos nós, das populações. Esses caminhos
começaram de forma individual e de uma forma coletiva quando as pessoas
se olham, se gostam, se acham bonitas e vão se conhecer mais e conhecem
as suas belezas de fazeres e aí se amam e procriam. Na maioria das
vezes, a história do mundo é feita pela história da beleza. O problema é
que na hora de contar as histórias das populações menos favorecidas
esse poder, que gerou tanta gente, ele é esquecido e o sentido do poder,
que é o sentido de servir, é esquecido para você manter um status quo e
nessa manutenção do status quo você tira da informação que chega às
pessoas a beleza dos fazeres populares. Então você usa o poder como
sinônimo de superioridade, como sinônimo de eu sei sobre você, eu digo o
que você é e isso vem através da forma de você contar, por exemplo, uma
só história. E uma só história repetida uma e muitas vezes, acaba
transformando a pessoa naquela única história e ninguém tem uma só
história. Uma cidade não tem uma só história, nenhum país tem uma só
história, nem uma pessoa tem só uma história. Então a maneira como você
edita a informação ao mundo, como você exerce de forma errada esse poder
de comunicação, sem ser servindo, acaba reduzindo a dignidade das
pessoas. Uma história só reduz a pessoa aquela história e eu acho que o
fotógrafo humanista ele vai aprender, sobretudo, a reconhecer valores e
então a contar esses valores que ele aprendeu e reconheceu e aí você
ajuda a resgatar a dignidade das pessoas.
Asacom - Como se pode contar outras histórias do Semiárido, através da
fotografia, que fuja dessa imagem estereotipada que foi construída sobre
a região?
Ripper - Indo para dentro das casas das pessoas, indo pra
dentro dos projetos que trabalham com as pessoas que convivem no
Semiárido seja no Nordeste, no Norte de Minas ou no Vale do
Jequitinhonha. Você vai ver pessoas onde a vida no Semiárido, apesar de
todos os estereótipos, pulsa, está na veia dessas pessoas. E também você
vai ver que essas pessoas vivem dentro de uma natureza que tem uma
característica. Ninguém fala em acabar com as geleiras do Ártico até
porque se você falar você desequilibra a natureza toda e seria um grande
crime ecológico. Mas, as pessoas falam em acabar com a seca e, na
verdade, o que está por traz disso são projetos financeiros de
manutenção de um poder. E pra fazer isso você esconde as realizações dos
sonhos das pessoas porque as pessoas que convivem com o Semiárido
sonham com coisas simples como a gente sonha de modo geral que é sua
produção, sua alimentação, com a água, e eles conseguem fazer isso com
suas experiências. Acho que organizações como a ASA e vários parceiros
da ASA o que fazem é sistematizar isso e discutir com o governo enquanto
política pública. Então, eu acho que a maneira de mostrar isso é você
ouvir essas histórias, é contar essas experiências e entender que as
experiências que vêm dando certo são feitas por pessoas que pra
existirem e realizarem essas experiências exercitam o seu bem-querer
entre si.
ASAcom - Você disse que a ASA, a partir das suas experiências,
do trabalho das suas organizações, dos agricultores e agricultoras, tem
conseguido contar novas histórias do Semiárido a partir da convivência.
Na sua avaliação, como o trabalho de comunicação da ASA vem contribuindo
para quebrar essa imagem estereotipada da região?
Ripper - Primeiro eu acho que a ASA teve uma compressão que
faltam a muitas organizações e segmentos que defendem lutas populares
que é a compreensão de que se você não exercer o poder da comunicação de
servir, você está abrindo mão de uma das maiores armas para que a
informação chegue pra todo mundo. Então, um dos grandes passos foi
quando a ASA assumiu a comunicação como um dos eixos principais da luta
pela convivência com o Semiárido. Esse é o primeiro ponto. A segunda é
que através de discussões onde jornalistas formados e jornalistas
populares se unem para cobrir e documentar muito bem o pensamento da
população desse semiárido e aí vão ouvir as histórias e estão tentando
fazer vários veículos, que são veículos que tenham uma aceitação,
primeiro, para esse público, e essa aceitação conta as histórias que
essa população faz e isso eu acho que de alguma maneira talvez seja uma
das poucas formas de comunicação exercida por uma organização que
retorna aos moradores a sua história e isso mexe e empodera essas
pessoas. Eu acho que esse caminho inevitavelmente vai se organizar ainda
mais pra que essas pessoas aos poucos possam também ir dominando essa
técnica até que possam vir a trabalhar seus próprios elementos de
comunicação, seja através do rádio, seja através de vídeo, de
experiências artísticas de comunicação como o teatro, o cordel, seja
através da fotografia, dos boletins. Em termos de jornal vocês
conseguiram um modelo que é muito bom. Claro que o que é muito bom é
primeiro bom porque tem a consciência de que pode melhorar, mas o Candeeiro [boletim de sistematização da ASA]
é um exemplo disso porque as populações são vistas ali, elas querem ser
vistas ali e elas se orgulham de ser vistas ali e, portanto, elas se
empoderam para criar suas iniciativas e, hoje, a gente já sabe de
histórias dos moradores do Semiárido que estão produzindo seus vídeos,
que estão contando e mandando suas histórias. E tem também a vontade das
pessoas que fazem parte da comunicação de sempre de reunirem e verem
onde elas podem contribuir com essa quebra de estereótipos. E isso passa
por uma forma bem serena que a ASA tem de ver como ela vai evoluir para
que esse poder de aprendizado da comunicação chegue aos moradores do
Semiárido e como é que ele vai chegar também a grande mídia e acho que
isso é feito de uma forma extremamente calma, sem a utopia de que você
não pode tirar um passo tão bonito, que se conseguiu com as rádios, com
os vídeos, com o Candeeiro, mas como isso, que tem sido tão bom, está clamando para dar passos ainda maiores. |
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