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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

A fotografia como instrumento para contar histórias e quebrar esteriótipos

Gleiceani Nogueira - Asacom









Ripper é especialista em fotografia documental e humanista | Foto: Janaína Santos
Um fotógrafo sensível que utiliza as lentes de sua câmera a serviço dos direitos humanos e das populações menos favorecidas. Assim é João Roberto Ripper, jornalista e especialista em fotografia documental, social e fotojornalismo. Fundador do Imagens Humanas, um projeto pessoal onde ele expõe seu trabalho, Ripper também ajudou a idealizar o Projeto Imagens do Povo do Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.
Defensor da fotografia como instrumento para contar a beleza dos fazeres das populações, Ripper ministrou duas oficinas regionais de comunicação com a presença dos comunicadores populares da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA). A primeira aconteceu em Feira de Santana-BA, de 31 de julho a 3 de agosto, e a outra em Trairi (CE), de 7 a 9 de agosto. Na ocasião, o fotógrafo concedeu uma entrevista à jornalista Gleiceani Nogueira, da Assessoria de Comunicação da ASA (Asacom). Na conversa, Ripper falou sobre os princípios a fotografia humanista, do papel do fotógrafo que deseja abraçar essa proposta, e da contribuição da ASA na contação de novas histórias sobre o Semiárido, que fogem da imagem estereotipada construída sobre a região. Confira!

Asacom - Quais sãos os princípios da fotografia humanista e de que forma ela contribui na luta pelos direitos humanos?

Ripper -
Eu acho que o poder de poder fotografar tem que está inserido na única filosofia cabível nos poderes que é o de servir. Então a fotografia humanista tem, sobretudo, um caráter de servir e servir é também uma forma que liberta o exercício do poder, liberta a quem serve, liberta a pessoa que tá exercendo a fotografia. Eu acho que cada vez mais o fotógrafo humanista é um fotógrafo que aprende com as pessoas, com as comunidades e os grupos que ele fotografa na história da vida e ele deve ser, sobretudo, um elo de bem-querer entre quem é fotografado e quem vai ver a fotografia. Esse elo pode ser até numa denúncia, pode ser numa documentação de uma guerra, na documentação de um conflito. Mas, eu acho que o fotógrafo humanista, deve ter consciência de que a sua foto tem que tá no fluxo de contra-informação e tá no fluxo de contra-informação é produzir fotos que levam informações a população de maneira que você quebre o filtro na edição da beleza. Então eu acho que o fotógrafo, além da denúncia, ele tem que cuidar muito de como ele vai passar a beleza para as pessoas e, principalmente, a beleza dos seus fazeres que é uma informação que de alguma maneira é filtrada pelos poderes. Portanto, ele é um fotógrafo que tem que ter a consciência e essa consciência vem sendo adquirida aos poucos, de que ele tem que contribuir para quebrar os estereótipos. Acho que esses estereótipos na comunicação são justamente os estereótipos que se definem pelo poder. Um poder que passa pelos poderes políticos, pelos poderes da indústria, dos comércios e pelo poder da comunicação, que talvez seja o maior de todos os poderes porque é usado por todos esses poderes e porque fala e mantém a ideologia dos poderes na sua forma de se expressar. E aí a gente volta de novo ao princípio de um documentarista humanista de que você de alguma maneira, através da sua câmera, tem esse poder e pra mim ele só tem sentido se for para servir.

Asacom - Durante as oficinas regionais de comunicação da ASA você convidou os participantes a usar a comunicação para retratar a beleza, o sonho e o amor. Como é possível encontrar esse caminho através da fotografia? 

Ripper-
Eu acho que esse caminho é o caminho que está dentro das pessoas. Eu acho que esse caminho do amor e da beleza é o caminho responsável pela existência de todos nós, das populações. Esses caminhos começaram de forma individual e de uma forma coletiva quando as pessoas se olham, se gostam, se acham bonitas e vão se conhecer mais e conhecem as suas belezas de fazeres e aí se amam e procriam. Na maioria das vezes, a história do mundo é feita pela história da beleza. O problema é que na hora de contar as histórias das populações menos favorecidas esse poder, que gerou tanta gente, ele é esquecido e o sentido do poder, que é o sentido de servir, é esquecido para você manter um status quo e nessa manutenção do status quo você tira da informação que chega às pessoas a beleza dos fazeres populares. Então você usa o poder como sinônimo de superioridade, como sinônimo de eu sei sobre você, eu digo o que você é e isso vem através da forma de você contar, por exemplo, uma só história. E uma só história repetida uma e muitas vezes, acaba transformando a pessoa naquela única história e ninguém tem uma só história. Uma cidade não tem uma só história, nenhum país tem uma só história, nem uma pessoa tem só uma história. Então a maneira como você edita a informação ao mundo, como você exerce de forma errada esse poder de comunicação, sem ser servindo, acaba reduzindo a dignidade das pessoas. Uma história só reduz a pessoa aquela história e eu acho que o fotógrafo humanista ele vai aprender, sobretudo, a reconhecer valores e então a contar esses valores que ele aprendeu e reconheceu e aí você ajuda a resgatar a dignidade das pessoas.

Asacom  - Como se pode contar outras histórias do Semiárido, através da fotografia, que fuja dessa imagem estereotipada que foi construída sobre a região?

Ripper  -
Indo para dentro das casas das pessoas, indo pra dentro dos projetos que trabalham com as pessoas que convivem no Semiárido seja no Nordeste, no Norte de Minas ou no Vale do Jequitinhonha. Você vai ver pessoas onde a vida no Semiárido, apesar de todos os estereótipos, pulsa, está na veia dessas pessoas. E também você vai ver que essas pessoas vivem dentro de uma natureza que tem uma característica. Ninguém fala em acabar com as geleiras do Ártico até porque se você falar você desequilibra a natureza toda e seria um grande crime ecológico. Mas, as pessoas falam em acabar com a seca e, na verdade, o que está por traz disso são projetos financeiros de manutenção de um poder. E pra fazer isso você esconde as realizações dos sonhos das pessoas porque as pessoas que convivem com o Semiárido sonham com coisas simples como a gente sonha de modo geral que é sua produção, sua alimentação, com a água, e eles conseguem fazer isso com suas experiências. Acho que organizações como a ASA e vários parceiros da ASA o que fazem é sistematizar isso e discutir com o governo enquanto política pública. Então, eu acho que a maneira de mostrar isso é você ouvir essas histórias, é contar essas experiências e entender que as experiências que vêm dando certo são feitas por pessoas que pra existirem e realizarem essas experiências exercitam o seu bem-querer entre si.

ASAcom - Você disse que a ASA, a partir das suas experiências, do trabalho das suas organizações, dos agricultores e agricultoras, tem conseguido contar novas histórias do Semiárido a partir da convivência. Na sua avaliação, como o trabalho de comunicação da ASA vem contribuindo para quebrar essa imagem estereotipada da região?

Ripper -
Primeiro eu acho que a ASA teve uma compressão que faltam a muitas organizações e segmentos que defendem lutas populares que é a compreensão de que se você não exercer o poder da comunicação de servir, você está abrindo mão de uma das maiores armas para que a informação chegue pra todo mundo. Então, um dos grandes passos foi quando a ASA assumiu a comunicação como um dos eixos principais da luta pela convivência com o Semiárido. Esse é o primeiro ponto. A segunda é que através de discussões onde jornalistas formados e jornalistas populares se unem para cobrir e documentar muito bem o pensamento da população desse semiárido e aí vão ouvir as histórias e estão tentando fazer vários veículos,  que são veículos que tenham uma aceitação, primeiro, para esse público, e essa aceitação conta as histórias que essa população faz e isso eu acho que de alguma maneira talvez seja uma das poucas formas  de comunicação exercida por uma organização que retorna aos moradores a sua história e isso mexe e empodera essas pessoas. Eu acho que esse caminho inevitavelmente vai se organizar ainda mais pra que essas pessoas aos poucos possam também ir dominando essa técnica até que possam vir a trabalhar seus próprios elementos de comunicação, seja através do rádio, seja através de vídeo, de experiências artísticas de comunicação como o teatro, o cordel, seja através da fotografia, dos boletins. Em termos de jornal vocês conseguiram um modelo que é muito bom. Claro que o que é muito bom é primeiro bom porque tem a consciência de que pode melhorar, mas o Candeeiro [boletim de sistematização da ASA] é um exemplo disso porque as populações são vistas ali, elas querem ser vistas ali e elas se orgulham de ser vistas ali e, portanto, elas se empoderam para criar suas iniciativas e, hoje, a gente já sabe de histórias dos moradores do Semiárido que estão produzindo seus vídeos, que estão contando e mandando suas histórias. E tem também a vontade das pessoas que fazem parte da comunicação de sempre de reunirem e verem onde elas podem contribuir com essa quebra de estereótipos. E isso passa por uma forma bem serena que a ASA tem de ver como ela vai evoluir para que esse poder de aprendizado da comunicação chegue aos moradores  do Semiárido e como é que ele vai chegar também a grande mídia e acho que isso é feito de uma forma extremamente calma, sem a utopia de que você não pode tirar um passo tão bonito, que se conseguiu com as rádios, com os vídeos, com o Candeeiro, mas como isso, que tem sido tão bom, está clamando para dar passos ainda maiores.    






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