O
olhar sudestino sobre o semiárido costuma dizer que aqui nada muda e que hoje a
nossa realidade ainda é a mesma denunciada por Graciliano Ramos em sua obra
prima “Vidas Secas”.
Agora,
com a publicação dos índices de desenvolvimento humano, recentemente lançados,
temos estatísticas para confirmar o que vemos a olho nu aqui nos últimos trinta
anos. A vida do povo melhorou, se não é o paraíso, ao menos já não temos a
intensa mortalidade humana, sobretudo infantil, das décadas de 70 e 80, quando
ainda morreram milhões de pessoas de fome e de sede naquela longa estiagem. Esses
indicadores não flagram esses anos de estiagem, logo precisamos esperar por
esses dados, mas é visto a olho nu e pelas conversas diretas com a população em
seus locais de vida que agora já não se repete a tragédia social das estiagens
anteriores.
Também
sou daqueles que acham necessários mais indicadores para realmente avaliar se a
situação das pessoas é mais humana. Esses indicadores deveriam incluir o
saneamento e a degradação ambiental. Com esses dois indicadores nossos índices
com certeza despencariam do nível que chegamos para médio e baixo num simples
clicar de mouse.
Descendo
às nossas cidades, como aqui em Juazeiro, com o lixo pelas ruas, esgoto a céu
aberto nas periferias, mosquitos cobrindo a população, o IDHM chegou a 0,677.
Campo Alegre de Lurdes, onde cheguei para morar em 1980 e vi criança morrendo
de inanição na seca de 82 como formiga em bico de passarinho, o índice agora é
de 0,577. Lá até hoje não tem sistema de abastecimento de água urbana e cada família
tem que se virar com sua água. Mas, agora tem as cisternas. Finalmente foi
licitada a adutora para levar água do São Francisco para Campo Alegre.
Mas,
não podemos negar os avanços. Afinal, se a longevidade dos brasileiros
aumentou, é porque as condições básicas da vida melhoraram. Sou daqueles que
nas pastorais sociais e movimentos sociais acabam apanhando por achar que essas
conquistas, por muitos tidas como
insignificantes porque “não fizemos a revolução”, não tem valor. Vá perguntar
ao povo que colheu esses avanços no seu
cotidiano se elas não lhe são importantes!
Uma
observação particular sobre o semiárido. Nessa longa estiagem não tivemos o
aumento da mortalidade humana e nem infantil. O caso mais grave aconteceu em
Alagoas, quando várias pessoas passaram mal – parece que algumas faleceram – por
razões de água contaminada. Mas, foi um problema dos pipas, portanto, questão
de vigilância sanitária. Não mais porque simplesmente não havia água na região.
Nosso problema nessa longa estiagem é a mortalidade dos animais, não mais de
seres humanos.
O governo
ainda nos deve a distribuição da água pelas adutoras. Embora tenha feito
algumas, preferiu a idiotice de investir na transposição. Gastou dinheiro
inútil e não avançou. Mas, há sempre tempo para recomeçar.
Bem,
muitos criticam nossas ações na lógica da convivência com semiárido dizendo que
ela não foi a resposta para esses longos períodos de pouca chuva. De fato, não
conseguimos ainda universalizar essas tecnologias – cisternas de beber, de
produzir, barreiros de trincheira, barragens subterrâneas, etc. -, mas e ela
que está na base da melhora do IDHM do semiárido. Claro que também as políticas
de distribuição de renda, até o Luz para Todos, transporte, saúde e educação
ajudam. Mas, se faltar a água de qualidade e o alimento, não tem índice de
longevidade que não imploda.
Esperamos
que o governo continue investindo sério na lógica da convivência com o
semiárido. Estamos longe de universalizar o acesso à água, mas melhoramos, e
muito. Esperamos também que o “olhar sudestino” deixe de tentar inviabilizar os
caminhos que os nordestinos vão traçando. Fotografar um rio seco, uma lagoa seca
e dizer que isso é uma tragédia, é típico de quem nem sabe o que é o semiárido.
Saibam que todos os anos temos uma seca, 99% dos rios do semiárido são
intermitentes, a água dos reservatórios rasos secam todos os anos. Questão de
beabá da região.
Roberto Malvezzi (Gogó)
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